RH E CULTURA ORGANIZACIONAL
Como transformar a cultura da sua empresa
Toda empresa possui uma cultura formada pelo modo como pessoas lidam com as circunstâncias e adversidades diárias, através das relações criadas, dos processos estabelecidos e do modelo de liderança. Tudo isso é parte da cultura organizacional.
Reconhecer e entender qual é a sua cultura e como ela funciona é o primeiro passo para melhorar, mudar e engajar seus colaboradores e consumidores.
Conversamos com o executivo de RH Gustavo Mançanares Leme, que é referência no assunto transformações culturais e turn around de negócios.
Ouça a conversa na íntegra em nosso podcast:
“Eu sempre trago uma analogia da cultura com o nosso jeito de viver dentro da nossa casa, temos nossos hábitos, os nossos símbolos. (...) Quando a gente fala de cultura, nada mais é do que essa simbologia, rituais e as figuras que eu chamo de ‘heróis’ e a literatura também diz heróis, que solidifica os hábitos e o ‘jeitão’ de ser de cada organização.”
Hábitos, rituais e símbolos possuem forte influência sobre as pessoas, muitas vezes acreditamos que eles nos definem, assim como nossas vidas. É exatamente por isso que mudanças nos parecem tão difíceis, embora necessárias.
O mundo está constante transformação: ideias mudam, tecnologias surgem e o comportamento do consumidor também não é mais o mesmo, o que gera novas e diferentes demandas a cada dia. Para atender a essas demandas, é muito importante nos adaptarmos, e isso pode significar uma mudança na cultura organizacional.
Empresas são estimuladas e pressionadas a transformarem suas culturas. Mas como entender a cultura existente ou como criar uma nova cultura?
A primeira coisa é compreender o contexto no qual a organização está inserida. Dentro desse contexto um dos fatores que mais influenciam a cultura é o regional. Isso porque regiões diferentes já são constituídas de fortes valores culturais que fazem parte da vida das pessoas.
“Essa base cultural tem a ver também com o local e com a história de quem construiu as empresas. Brasil existem pesquisas que falam que mais de 90% das empresas são familiares.”
“Quando você fala de cultura no Brasil tem a ver com cultura regional e das famílias que criaram as empresas, temos uma série de empresas nacionais que já viraram globais e temos outras empresas que estão mais centradas nas grandes capitais, são as multinacionais onde a cultura vem da matriz, o jeito de crenças, simbologias e rituais são “importados” do nascedouro. Quem já trabalhou em uma empresa multinacional americana sabe que é diferente de trabalhar em uma multinacional europeia, que é diferente de trabalhar em uma multinacional coreana ou asiática.”
Mesmo dentro do Brasil, diferenças locais podem interferir na cultura de uma empresa. Quando você coloca o ser humano no centro daquilo que constrói - tanto seus colaboradores quanto seus consumidores - essas diferenças devem ser levadas em consideração.
O vídeo do Porta dos Fundos “Sotaques” brinca bastante com as diferenças que existem na linguagem dentro do Brasil e também em Portugal, mas essas diferenças vão além da linguagem, elas estão na gastronomia, hábitos, crenças e muito mais.
Para Gustavo Leme é importante que a empresa esteja atenta a essas diferenças quando estabelece uma cultura nacional.
“Eu defendo que talvez algumas empresas que são grandes nacionalmente tenham mais de uma política de RH. Quando você fala em locomoção, em São Paulo é um problema, o home office pode ajudar. Mas você podem ter situações, que home office pode até atrapalhar. São contextos bem diferentes.
E aí quando a gente fala de cultura, é possível implementar uma cultura só? Sim no que os une, mas existem coisas que são regionais.”
Além das particularidades locais, é preciso estar atento às novas ferramentas, tecnologias e principalmente às mudanças de comportamento das pessoas.
“Nesse novo modelo onde os contratos de trabalho deixam de ser CLT, passam a ser contratos mais flexíveis - a própria lei trabalhista se reformou recentemente - e você não ter ambientes comuns, então gerir cultura vai ser mais complexo ainda.
Você pode gerir uma pessoa que não é seu funcionário, mas que responde pela empresa na unidade de negócios que você gerencia, você nunca o viu, ele não fica no seu país, como eu reforcei - não é funcionário, não tem hábitos comuns de quem está dentro da organização, e você vai ter que falar de cultura, que cultura é essa.”
Transformando a cultura da empresa
Mudar nunca é fácil e pode existir resistência, principalmente de colaboradores mais antigos, que já estão acostumados a agir de determinada maneira. isso se tornará ainda mais complicado se as pessoas não entenderem o porquê de determinadas mudanças.
“Talvez o segredo seja como que você constrói isso de maneira coletiva de forma que as pessoas sejam participadas e em função disso a resistência diminui, porque é algo que elas ‘botaram a mão’.
No passado eu via que a cultura era gerenciada muito mais pela alta cúpula do que pelas equipes de RH e hoje eu acho isso deve ser mais dialogado.”
Para Gustavo, “cultura não é aquilo que você declara, cultura que você percebe.” Não basta dizer que agora determinadas coisas não são do mesmo jeito, é necessário mostrar o porquê e dar o exemplo.”
Tais inovações devem realmente fazer sentido dentro do movimento de mudança desejado, colocar uma geladeira com refrigerantes e cervejas à vontade e pedir pizza às sextas para os funcionários, ou até mesmo flexibilizar o horário, dias em home office e espaços abertos de trabalho são medidas que podem ser tendências mas que sozinhas não significam mudança de cultura.
“A gente tem que fazer uma separação, tem muita empresa que está com boas intenções confundindo tendência com estratégia. Criar escritórios que são abertos, dar flexibilidade de horário, são tendências. Até movidas pelo comportamento do consumidor, do ser humano. Esse é um ponto a que se deve ficar atento, temos que entender a tendência e tentar fazer uma tradução disso para o ambiente de trabalho, eu defendo e sou protagonista nesse sentido de entender tendência, a outra coisa é cultura de uma empresa.”
“O movimento tem que ser percebido e não declarado. Eu vejo algumas empresas que na ânsia de querer atender a expectativa dos funcionários, acabam passando por cima sobre simbologias que são mais fortes, então a empresa dá autonomia no discurso, criando ambientes colaborativos e flexibilidade mas ela ainda tem uma cultura de controle. De que adianta eu trabalhar em casa se a cada 5 minutos alguém me liga para saber se eu estou trabalhando? São simbologias diferentes.”
É necessário trazer mudanças que se conectem com a cultura da empresa e que façam sentido para as pessoas que lá trabalham, testar e ver como elas correspondem às necessidades de cada área.
“Você pode ser simples, olhar a tendência, mas também olhar a sua cultura e ir adaptando.
Essa questão de ambiente eu acho que também tem a ver com a idade e o momento de vida das pessoas.”
O RH precisa trabalhar sua cultura também, ser o exemplo, investir em sua própria estrutura.
Com tantas mudanças no mercado, departamentos de Recursos Humanos vão muito além de treinamento e desenvolvimento, recrutamento e folha de pagamento.
Isso expandiu o setor a abriu portas para profissionais diversificados possam agregar novas características e diferentes conhecimentos.
“Hoje você pode ter um RH mais heterogéneo, não precisa ser nem psicólogo, nem administrador e nem contador para trabalhar em RH. Você pode vir de qualquer área, tanto que eu, na minha carreira, tive mais influência de ferramentas de marketing do que ferramenta de RH para gerir pessoas. Por que disso? Porque o marketing tem que entender comportamento, e tem que entender comportamento do mercado, se eu entendo o comportamento de mercado então eu não posso entender o comportamento humano? Através das mesmas tendências e ferramentas.“
Mas como engajar os funcionários e trazê-los para dentro da proposta de nova cultura da empresa?
Para Gustavo Lemes, esse processo se inicia durante a seleção de pessoas e também está presente na promoção de colaboradores.
“Se você seleciona pessoas para trabalhar, que é a realidade da grande maioria, o que você busca nessas pessoas? Deveria buscar esses comportamentos, Se você promove as pessoas, você promove baseado em quê? Imagina que todas as ferramentas e práticas do RH devem estar conectadas com esse movimento desejado para uma nova cultura, ou para trazer traços culturais, agregar algumas coisas que a cultura não tem. E a comunicação é algo fundamental.
Quando a gente fala do processo de movimentação interna de promoção de pessoas para posições e influenciadoras seja pela autoridade de cargo ou por influência técnica, essas pessoas elas têm que preservar a cultura da empresa desejada é muitas vezes a gente contrata bem mas promove mal.”
“A união da comunidade tem a ver com o senso de propósito. Quando você seleciona por propósito, então você já tem meio caminho andado para criar um ambiente de comunidade.
Eu tenho uma crítica muito grande não à tecnologia para processo seletivo, mas ao cuidado com a tecnologia para o processo seletivo, porque ela traz uma inteligência e se você não tomar cuidado, você padroniza os filtros e as análise preditivas dos perfis, então acaba contratando gente muito parecida e empresa não é feita a gente parecida
E essas diferenças elas ajudam muito a gente criar produto, a reformular processos, a atender o consumidor. E esse mundo de diversidade, que está muito na moda, ele tem de ser levado muito a sério e com muito cuidado, porque às vezes a gente já tem diversidade na empresa e não dá a oportunidade para as pessoas que pensam diferente falarem. Se todo mundo tem um propósito comum e se a gente tem diversidade, é meio caminho andado para convidar essas pessoas para o processo de mudança.”
Comunicar e engajar
A comunicação é outro ponto importante para apresentar o processo de mudança e fazer com que pessoas entendam e se alinhem com a cultura da empresa.
“Isso é uma tendência e a uma necessidade, quando você envolve principalmente o consumidor para pensar em projetos de produtos naturalmente a adesão da venda do produto é maior porque você escutou quem compra, e às vezes a gente não faz isso dentro das empresas.
Então a partir do momento que você tem processo de construção conjunta - não só em RH mas em todas as áreas - e uma pessoa se sente participado, ela se engaja com aquilo, ela defende porque foi envolvida.”
Recapitulando
Mudanças são necessárias, pois vivemos em um mundo em transformação e precisamos nos adaptar para sobreviver nesses novos mercados, mas é importante que primeiro possamos entender o que é a cultura organizacional, identificar a cultura atual, como ela já está inserida no contexto da empresa e como pode e deve ser melhorada - a mudança deve fazer sentido dentro desse contexto, deve ter um objetivo.
Também é essencial Incluir colaboradores no processo, explicar a necessidade desse movimento e mostrar os resultados disso.
Testar pilotos para descobrir o que funciona, buscar novas tendências, descartar o que deu errado, isso tudo também faz parte do processo!
“O mundo como o criamos é um processo do nosso pensamento. Não pode ser mudado sem mudarmos o nosso pensamento”.
Albert Einstein